Um grupo internacional de astrônomos identificou ao redor de uma estrela anã vermelha o que pode ser considerada uma réplica em miniatura do nosso próprio Sistema Solar.
Concepção artística do planeta Gliese 832c, membro de um sistema de configuração similar ao solar.
Na região mais externa do sistema em torno da estrela Gliese 832, já se sabia existir desde 2009 um planeta análogo ao nosso Júpiter, que completa uma volta a cada 9,4 anos.
Agora, o novo achado: garimpando os dados brutos colhidos por telescópios em terra e reprocessando-os com técnicas mais sofisticadas de análise estatística, os pesquisadores liderados por Robert Wittenmyer, da Universidade de Nova Gales do Sul, na Austrália, encontraram o sinal de um segundo planeta, menor, na região mais interna do sistema: uma superterra ou, talvez mais provavelmente, um supervênus.
Esse segundo planeta teria no mínimo 5,4 vezes a massa da nossa Terra (daí o “super” na classificação) e completaria uma volta em torno de sua estrela a cada 36 dias. Em tese, ele está dentro da chamada zona habitável — região do sistema em que ele pode ter água em estado líquido na superfície. Poderia, portanto, ser adequado ao surgimento da vida.
“Dada a grande massa do planeta, contudo, é provável que ele seja envolvido por uma densa atmosfera — o que por sua vez poderia torná-lo inabitável”, escrevem os pesquisadores no artigo que relata a descoberta, aceito para publicação no “Astrophysical Journal”. “Nesse cenário, a atmosfera densa produziria um forte efeito estufa, aumentando a temperatura superficial o suficiente para provocar a evaporação dos oceanos, como se acredita que tenha ocorrido com Vênus muito cedo na evolução do Sistema Solar.”
É importante ressaltar que a essa altura é cedo para concluir que Gliese 832c (como o planeta foi batizado) é uma superterra ou um supervênus. Embora os autores da descoberta apostem que se trata de um mundo inabitável, um cálculo paralelo feito pela equipe do Laboratório de Habitabilidade Planetária da Universidade de Porto Rico em Arecibo sugere que, se o planeta tivesse uma atmosfera similar à da Terra, apenas proporcionalmente maior em razão da massa, sua temperatura média global seria de 22 graus Celsius.
Esse dado, por si só, foi o suficiente para o planeta entrar na terceira posição no ranking organizado por esse grupo de cientistas, em termos de sua potencial similaridade com a Terra. A essa altura, já são 23 os mundos listados como possíveis abrigos para a vida pela turma de Arecibo.
Duas coisas em particular entusiasmam o Mensageiro Sideral neste novo achado. Primeiro, com a descoberta, encontramos um sistema planetário que parece ter seguido a mesma história evolutiva do nosso. Até a descoberta dos primeiros mundos fora do Sistema Solar, os astrônomos imaginavam que esta fosse a receita padrão: planetas gigantes gasosos surgem na periferia do sistema, onde o gás que sobrou da formação da estrela central custa mais a dissipar, e planetas terrestres aparecem nas regiões mais internas, onde há predominância de silicatos (rochas) e pouco gás.
A realidade se mostrou mais variada que isso quando os primeiros exoplanetas em torno de estrelas similares ao Sol começaram a ser descobertos, em 1995. Alguns sistemas têm planetas gasosos numa região extremamente interna, onde em tese eles não poderiam surgir. Outros parecem ter apenas mundos rochosos, sem planetas gigantes. E outros parecem ter só um planetão numa órbita bem elíptica. Claramente, a essa altura, já sabemos que réplicas do Sistema Solar não são um desfecho obrigatório.
UMA CONFIGURAÇÃO AMIGÁVEL
Por que nos importamos em encontrar sistemas planetários semelhantes ao nosso? Não basta que existam mundos rochosos na distância certa da estrela para que a vida surja? Bem, talvez não seja tão simples assim.
O nosso bom e velho Júpiter, por exemplo, tem um papel preponderante para a manutenção das condições que temos na Terra. Simulações mostram que ele serve como uma espécie de escudo contra cometas que poderiam impactar com nosso planeta, desviando-os com sua gravidade poderosa. É fato que, de vez em quando, uma colisão dessas acontece. Mas seria muito mais frequente — talvez algo como um impacto a cada 100 mil anos — se não fosse por Júpiter.
Será que a vida só prospera em sistemas onde há um planeta gigante gasoso que exerça esse efeito protetor? Não sabemos. Fato é que Gliese 832b, o análogo de Júpiter daquele sistema, pode muito bem fazer esse serviço por lá.
Ainda não sabemos quão rara é essa configuração, encontrada aqui e em Gliese 832. Ainda existem viéses de detecção que dificultam a elaboração de estatísticas completas. Ou seja, não conseguimos dizer com que frequência estrelas similares ao Sol produzem sistemas similares ao solar. Mas encontrar alguns exemplares parecidos, como este de agora, ajuda a confirmar a ideia de que análogos do Sistema Solar não são um desfecho improvável do processo de formação planetária — embora decerto sejam menos comuns do que se imaginava antes da era dos exoplanetas.
O maior charme do sistema Gliese 832, contudo, é sua proximidade com a Terra. Ele está a “apenas” 16 anos-luz de distância. Muitos torcem o nariz e dizem: “Como se fosse possível ir até lá.” De fato, com as tecnologias atuais, uma viagem até lá, tripulada ou não, é impossível.
Entretanto, a essa distância, o Telescópio Espacial James Webb, com lançamento previsto para 2018, será capaz de analisar a atmosfera do planeta. E, a julgar pelo exemplo terrestre, a composição do ar pode perfeitamente trair a presença de vida. Ou seja, se Gliese 832c for um planeta de fato habitável (com vapor d’água na atmosfera) ou mesmo habitado (quem sabe com oxigênio fora de equilíbrio químico?), podemos saber disso antes que a atual década se esgote.
A pergunta “Estamos sós no Universo?” está cada vez mais próxima de ser respondida. Não sei quanto a você, mas eu me sinto privilegiado por viver exatamente nesta época em particular da história humana. Grandes descobertas nos aguardam.
http://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2014/07/01/um-sistema-solar-em-miniatura/